Páginas

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

EM QUALQUER PONTO DA AMÉRICA (um pedaço que gosto)



A mão trêmula abre a porta. O coração disparado caminha para outro coração que claudica.  Ele caminha para ela, na beira da lareira do sítio vazio, no momento em que o sol se escondia relutante, ainda iluminando teimosamente o ambiente rural-moderno. Os passos lentos sobre o tapete de couro-de-boi espalhado no chão da sala aconchegante, nem uma palavra, só o silêncio que permitia ouvir os movimentos do organismo humano trabalhando, o barulho do sangue circulando, quase doendo, espalhando-se em cada pedaço dos corpos e das entranhas, tão próximos, já, um do outro, o hálito, sentindo-se a cada inspiração, quando as mãos se tocaram! Quentes! Santas! Os braços estendidos, soltos para baixo, as palmas voltadas uma para a outra,  um abraço de mãos, de dedos, de hálitos, de cheiros, de sentir o cheiro do nariz e da boca um do outro, na sala que perdia claridade.
O primeiro relâmpago somente foi percebido de soslaio, pelo canto dos olhos de cada um e o cheiro denunciou a chuva de pingos grossos que começava. Os relâmpagos intermitentes aumentando a cada cinco segundos mostravam um quadro irreal! Os joelhos foram se dobrando a medida em que a vontade de chorar transbordou ao mesmo tempo da face de cada um  dos dois amantes, de joelhos, mãos grudadas, quentíssimas, mãos de velhos, amor de moços, represado.
O temporal desabou e a água, torrencial, subiu no tapete da sala. Rachou o telhado! E um estrondo impressionante, como se a estrutura da casa inteira fosse ruir, aconteceu.
Havia, verdadeiramente, quase uma impossibilidade física deles desgrudarem os joelhos do chão. Os músculos, as articulações, não obedeciam, e as bocas, e a respiração, entraram num compasso tão perfeito, uma sintonia em que o ar entrava no outro no segundo certo, para sair noutro segundo certo, diretamente dentro do outro, uma fusão natural. Parecia que só faltava o soldador terminar o serviço, e foi por isso que o raio não surpreendeu, quando amalgamou, para sempre, os dois corpos numa só estrutura empretecida, depois da faisca e do estrondo imenso, ensurdecedor, no campo, quando as vacas pararam de mugir para se unirem ao silêncio cósmico do Criador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário