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segunda-feira, 7 de março de 2011

A TERRA DA ANCIANIDADE


Já palmilhei regiões infernais durante algumas crises na vida, mas felizmente soube retornar ao purgatório normal de cada dia e vez que outra curtir rápidas visitas ao céu – como, aliás é a nossa existência terrena – planeta nível dois – segundo os espíritos e a codificação kardequiana.

Muito bem, mas ninguém esclareceu, nem Dante, evidentemente, que entre o purgatório e o inferno – e não confundir com o limbo dos coitados inocentes não batizados – existisse uma terra tão diferente que se chama ancianidade. Também não falo de velhice ou algo idiota assim como melhor idade.

A ancianidade se materializa para os que decidiram, nos seus mais profundos adentros, viver um tanto mais, tipo mais de cinquenta, ou sessenta, ou mesmo setenta anos. É diferente da velhice ou da bobice idosa porque não é lugar para vítimas ou eternos adolescentes – no mau sentido. É espaço para os que decidem palmilhar os caminhos da consciência de profundidade – o tal mergulho íntimo.

Então o cara de repente entra nesse terreno inóspito e diverso – algo assim como acampar por largo tempo no deserto do Atacama – é diferente.

Alguns prepostos do Senhor, alguma alma desgraçada que quer mostrar serviço, em um belo dia, sorrateiramente, se aproxima do desprevenido futuro viajante que estava defronte do portal da ancianidade e lhe coloca algo assim como um camisolão invisível – mas bem real – parecido com uma camisa-de-força. E pronto, daí pra frente e sempre por trás do incauto, o carinha vai apertando a corda da camisola que tem a função de impor restrições. É assim que se anda na terra da ancianidade. Pelo pouco que é dessa forma que se vai adquirindo mais e mais sabedoria. Será?

O tamanho da corda, ou melhor, o aperto da corda está plugado num dispositivo de controle de uma Lei Maior, que o Administrador de Tudo criou – porque quis e que alguns chamam de Lei de Causa e Efeito.

Não sei tudo desse assunto, pois acabo de entrar nesse deserto desgranhudo e desafiador, mas já vi que embora as restrições, há coisas interessantíssimas, como paisagens deslumbrantes, a solidão sem máculas, o tal do aqui e agora e o grande silêncio, que está além do zumbido. Mais ainda, a gente começa a enxergar um povo enorme que já está dentro dessa região diferente e podíamos não perceber antes.

Um dia desses eu estava na sala de espera do oftalmologista, para uma consulta regular. E lá tinha uma senhora esperando a consulta, tanto quanto eu. Só que ela estava a caminhar no deserto da ancianidade e sua corda era de nó muito apertado. Estava em uma cadeira-de-rodas. A dignidade dela me comoveu demais, pois a acompanhava uma entidade purgatorial bem comum (uma filha, certamente) que transitava a demonstrar sua impaciência e ansiedade com a vida e tudo o mais. Terrível!

Não podia desgrudar os olhas dessa viajante. Já falei na dignidade, mas era muito mais, as suas mãos, os seus olhos, a sua vontade determinada e consciente de não pedir nada a ansiosa filha, para que a tirasse, por exemplo, do meio da sala, pois obviamente atrapalhava os outros, a sua vontade reprimida de ir ao banheiro, os seus questionamentos todos por trás daquele olhar esperto, lúcido, arguto e a sua força e decisão férrea de enfrentar o calor insuportável desse deserto.

Sou marinheiro de primeira viagem aqui nesse novo território. Sei que o carinha aí de trás não faz por mal, quando aperta o laço, mas que se cuide! Pois se o pego de jeito dou-lhe um pescoção. Legítima defesa!