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sexta-feira, 18 de junho de 2010

De bêbados e defuntos

Isto me contava um grande camarada, recentemente desencarnado, rememorando suas épocas de serestas e boemia no Oeste Catarinense, e alguns porres homéricos - era a perdição dele, e de seu grupo de amigos.

Que um belo dia recebeu a notícia de que um amigo de noitadas e de copo tinha morrido e precisavam ir ao velório, já em andamento na Igreja do bairro tal, meio no subúrbio de Joaçaba. Na verdade o amigo morto era um Zé Ninguém, no sentido de não ter um puto vintém, mas era um companheiro e tanto, e sempre fazia, de uma forma ou de outra, a alegria do grupo de boêmios.

O frio era de lascar na madrugada do Oeste Catarinense. Chegando por lá encontrou uns poucos colegas do Bar costumeiro, não mais que uns quatro ou cinco. Parentes, ou amigos do morto: nenhum, e o padre, apreensivo, com muito frio e meio descontente, pois seus serviços, estava a ver, pagamento que é bom não teria.

Na pobreza do velório nem um biscoito, quanto mais um trago. Enquanto isso, esfregavam as mãos e fumavam em ritmo de um atrás do outro, pra ver se esquentavam.

Passado da meia noite o padre não aguenta mais e vem com uma conversa de que pelo resfriado e coisa e tal, ía dormir um pouco, mas pedia o comprometimento do grupo de zelar pelo morto e pelo local. No mais tardar lá pelas seis da manhã ele já estaria chegando, para a missa das sete, as encomendas, e depois, pronto, era só enterrar o Alfredo e missão cumprimda

A turma, evidentemente, embora não dissesse nada, olharam de viés, aliás completamente atravessado e deram um bom resmungo, ou seria grunhido, em uníssono.

Agora a sós - logo começaram a beber. Já tinham iniciado as escondidas do padre a algum tempo. Uma vez cada um iam ao bar da esquina e traziam o trago de copo em copo, pois garrafa, certamente não ficava bem no velório.

Lá pelas tantas, e no frio que teimava após a uma da matina, um dá a idéia: ao invés de ficar nesse leva e traz de copo, vamos todos pro Bar e depois a gente volta e segue com o baile. "Mas deixar o Alfredo sozinho!” “ Isso não é direito, e vai até dar castigo..." Enfim...

Discussão pra lá e pra cá, Uma idéia genial veio a baila e foi votada e aceita por unanimidade. Levariam o Alfredo, com caixão e tudo (era só tampar) com eles pro bar - não mais que meia quadra! E antes do padre voltar a gente retorna, coloca tudo no lugar e o padre nem vai notar.

E foi feito! E deu certo!! Os caras podiam ser bêbados, mas sei lá se em respeito ao morto, a disciplina falou mais alto. Quinze pras seis o cenário tinha sido perfeitamente remontado. O padre não notou nada - talvez um sorriso estranho nos lábios do morto, que lhe pareccia não ter percebido antes.

terça-feira, 1 de junho de 2010

UMA CRÔNICA SOBRE A DOR


Passam-se os dias e as horas, e como diria o Raul Seixas: e eu aqui dando milho aos pombos. Bem, não é tanto assim. Fazendo um balanço honesto, até que não estou me saindo tão mal assim com a vida, considerando que já “dobrei o Cabo da Boa Esperança” - já estou novamente pagando meia entrada no cinema, mas não mais por estudante, e sim por idoso! Dá uma certa vergonha, que tem a ver unicamente com os condicionamentos doentios ou hipócritas da sociedade de consumo, nada conosco, os idosos.
Mas e a dor? A dor humana, a dor do mundo, a nossa dor? Uma médica, ontem, me disse que a dor maior é aquela que alguém está sentindo no momento. Nada pior do que essa dor, seja física ou psíquica, ou espiritual. Volta e meia estamos as voltas com esse duro professor. E quando a dor é grave, aguda, terrível, vai ficando meio eterna, e nos desesperamos porque começamos a temer que ela possa nunca mais ir embora. Filosoficamente eu entendo bem o papel da dor, como forma de crescimento e evolução espiritual; o difícil é entender-me enquanto vivencio a dor – mais claramente: perdoar-me por ter sido tão negligente, ou errado, ou obtuso e estúpido por deixar que as coisas chegassem a esse ponto, de maltratar-me assim com tanta e tamanha dor.
Não sei se é porque ultimamente tenho sentido tanta dor, observo muito mais a dor dos outros. Gente, quanta calamidade! Quanto sofrimento. Hoje mesmo as Tvs nos mostram a dupla calamidade, no norte e no sul – desabamentos lá, com soterramento de pessoas e mortes, e pontes que desabam aqui – mais mortes. Se somarmos a isso as calamidades do trânsito brasileiro com a violência que campa – sem entrarmos em detalhes desnecessários – então podemos dizer: é o caos! É muita dor!
Já não dá mais para dizer que é a TV só focando no negativo. É o caos mesmo que bate a nossa porta. E estamos conversados. Tudo estava bem previsto, bem vaticinado, não há novidades para os que são leitores de obras mediúnicas, que pesquisaram na área espírita ou espiritualista. Tudo bem previsto. Tudo bem avisado. Mesmo assim a gente fica pasmo.
Eu já estou somando (ou somatizando) essa dor do mundo com as minhas dores particulares, que são, pelo menos em mim, que as sito, as piores de todas. E aí o tal milagre. Pois mesmo assim eu agradeço. Agradeço pois tudo isso anda me sacudindo suficientemente a ponto de me fazer mudar, mudar para melhor, claro. Deixar de ser tão egoísta, tão orgulhoso e voltar-me um pouco mais para a dor dos outros. Essa é uma nova descoberta para mim. E aí vem-me outra dor, a de pensar que precisei chegar a condição de maturidade para abrir um pouco mais o mão-fechada com tudo que sempre fui.
Enfim, parece que não vai ter mais jeito. A dor agora veio para ficar, permanecer definitivamente comigo. Irá me acompanhar até o derradeiro momento neste mais que transitório corpitcho de carne – futura comida de vermes. Algo assim como essa malfadada prima que chamamos de morte, companheira inevitável dos nossos mais profundos pensares, e que por não ter jeito, acabamos por nos acostumar com ela, mantendo-a numa espécie de prateleira-esquecimento. Pois então, estou construindo mais uma dessas prateleiras, a da dor-esquecimento. Os esotéricos diriam simplesmente que são as prateleiras de transcendências. O milagre de transformar dor em luz, morte em vida e renascimento, sem fantasias ou simples elucubrações literárias, um dia sabe-se que é coisa pra valer, como um ferro em brasa, desses de marcar o gado, que vem e imprime na carne e na alma.