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quarta-feira, 5 de junho de 2013

ESTA VIDA Guilherme de Almeida



Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.

Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quatro círios acesos : eis a vida

Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um pobre me dizia: para o pobre
a vida é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.

Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!

Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

OS PERIGOS DE SABER


O perigoso de se saber muito
É a prepotente arrogância do finito
Sobre o infinito,
A triste pretensão de sentir-se maior do que o impossível
E os melhores poetas sempre
Sempre
Caem nessa armadilha
Até Walt Whitman
Nas relvas das suas preciosas pisadas
Também chicoteou o humilde carpinteiro,
Aquele, o único, O Escolhido,
O Filho do Pai que tinha (e tem) o Infinito Amor
No seu coração – e na palma da mão –
Para saciar a sede desta
                 Pobre humanidade ignorante,
Escrava do egoísmo e do orgulho –
Chagas da superação.

Sem problemas!
Whitman, Neruda, Vinicius, qualquer dos sábios
Acrobatas das palavras,
Sempre serão perdoados,
Seus pequenos deslizes nem arranham
O Plano da Criação.
“Nenhuma das ovelhas se perderá”,
Nem essas mais brilhantes renegadas,
Desgarradas,
Distanciadas do rebanho.

Ó velha e humana vaidade!
Basta incursionar nas matemáticas,
Nas equações da racionalidade que prova,
Pra se descobrir que ao finito (todos nós)
Jamais será dada a possibilidade da compreensão do Infinito,
Que de pena e puro Amor
Enviou-nos um dia este Jesus Carpinteiro, e este a Buda,
Maomé, Krishina, Sai Baba e Prema Sai,
Para amenizar a dor da nossa imensa orfandade
Neste caminhar no Eterno – mariposas,
Em busca da lâmpada,
Do fogo,
Da Luz,
Pra diluir toda esta terrível pequenez cósmica,
Mas... pero,
 Jorge Luiz Borges, este dos de nós pequenos, um gigante,
Arriscou assim
“... La puerta Del suicida está abierta, pero lós teólogos afirman
Que em La sombra ulterior Del outro reino, estaré yo,
Esperándome.” (*)
Por las dudas, ou melhor, por sábio ...
Não brincou demais com essas portentosas forças
Do Reino do humilde Carpinteiro.
Sim, todos se salvam ao final, até Saramago
Com seu Evangelho que nunca li – admito,
Mas prefiro essa sagacidade do Borges que
Em palavras elevadas é apenas  o povo que diz
“No creo em brujas, pero ...”





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(*) JORGE LUIZ BORGES – OBRA POÉTICA,
El Centinela – pag 365, EMECÉ, 25ª edição, 2007.